Depressão deixa busca por socorro em centros de valorização da vida em alta

São centenas de ligações por dia de pessoas apenas com o desejo de desabafar

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Muitas vezes na vida, há situações de desalento, onde não se consegue encontrar laços estreitos o suficiente nas relações do dia a dia para desabafo em um ombro amigo.

 

Situações como estas ocorrem, sobretudo, durante a juventude. Nessa fase, o ser humano encontra-se emocionalmente mais vulnerável por não possuir ainda uma inteligência emocional capaz de lidar com todas as exigências que a aproximação da vida adulta demanda.

 

O período da adolescência é reconhecido pelos estudiosos da saúde mental e pública como um período crucial para o desenvolvimento e manutenção de hábitos sociais e emocionais, que são importantes para a construção de uma boa convivência com seus pares.

 

Segundo listagem feita pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)  é preciso desenvolver hábitos saudáveis para um bom desenvolvimento emocional. Estes, abaixo, seriam alguns exemplos:

 

A prática de padrões de sono saudáveis; 

Exercícios regulares; 

Desenvolvimento de enfrentamento; 

Resolução de problemas e habilidades interpessoais; 

Aprender a administrar emoções. 

 

A necessidade de possuir ambientes de apoio na família, na escola e na comunidade em geral é importante o bem-estar e o desenvolvimento emocional nesta fase, a fim de evitar complicações na construção do emocional do indivíduo.

 

Contudo, conseguir conciliar as atividades do dia a dia com tantas recomendações necessárias para um bom desenvolvimento emocional parece uma tarefa quase utópica. 

 

Ainda de acordo com dados fornecidos pela OPAS, as condições de saúde mental são responsáveis por 16% da carga global de doenças e lesões em pessoas com idade entre 10 e 19 anos.

 

Conhecedora do assunto, a psicologa Bárbara Cavalcante comentou suas impressões sobre o cenário do jovem perante os transtornos emocionais mais comuns - depressão e ansiedade -  que aparecem como diagnóstico em diversos casos de problemas emocionais da juventude.

 

"Eu acho que esses problemas podem acontecer com qualquer um. Só agora estamos tendo essa visibilidade [da problemática desses transtornos na juventude], porque, antigamente, não discutíamos esses problemas. A sociedade está ficando cada vez mais exigente e estamos precisando ser mais produtivos e eficientes. Essa necessidade de ser produtivo adoece", explicou.

 

Questionada a respeito do uso das redes sociais, Bárbara levantou uma opinião divergente da debatida pelo senso comum, que aponta a internet como uma grande vilã causadora de diversos problemas. Para a profissional, esse debate é controverso.

 

"Se você tem uma doença como depressão ou como ansiedade, qualquer componente de sua vida pode te ajudar ou prejudicar você. Isso depende da maneira como você estabelece essa relação com aquilo. Como não podemos comparar de fato a nossa vida antes e depois da internet, não acho que possamos atribuir a internet como sendo a vilã da história. Em minha opinião, tudo depende da maneira como a pessoa usa. Se levarmos em consideração que muitas pessoas não entendem o que passam e na internet elas conseguem encontrar um alento, uma compressão para o problema dela, esse uso das redes pode ser benéfico".

 

Contudo, apesar de apontar a internet como uma possível aliada na luta contra esses transtornos, o cuidado com o outro ainda é apontado como um fator indispensável.

 

"Quando falamos de internet, de relacionamento a distância ou qualquer contato, podemos acabar relaxando, dependendo um pouco da ética e do profissionalismo. Tudo o que eu falo pode afetar positivamente ou negativamente. Tudo o que eu tenho falado pode afetar aquela pessoa", enfatizou Bárbara.

 

PARCEIROS DA VIDA

 

Além da internet, redes de apoio, como o "Centro de Valorização da Vida" (CVV), a Organização Não Governamental (ONG) "Acolha-me" e a também ONG "Cavida", aparecem como uma opção para os alagoanos desamparados em busca de um alívio em suas angústias.

 

Buscando a opinião popular, a Gazetaweb procurou saber se os jovens buscam serviços como estes em momentos de dificuldades emocionais. A estudante de psicologia Luanna Macedo concordou em responder à alguns questionamentos a respeito do assunto.

 

Questionada se buscava alento em algum destes serviços, a psicóloga em formação respondeu. "Nunca passou pela minha cabeça em momentos de crise [ligar para alguma ONG], pois, geralmente, eu me isolo e não converso com ninguém. Não peço ajuda", revelou.

 

Ao ser perguntada se sentia-se confortável em desabafar para desconhecidos ou se estes métodos, em sua opinião, teriam algum benefício, Luanna respondeu com um simples "não".

 

GUERREIROS INVISÍVEIS

 

 

Mesmo não buscando ajuda em seus momentos de dificuldades, dados disponibilizados pelo CVV demonstram que, entre 2016 e 2018, mais de 5 milhões de pessoas buscaram o Centro para apoio emocional.

 

Em Alagoas, a central de Maceió, fundada no ano de 2017, costuma atender aproximadamente 110 ligações por dia, que são repassadas para os voluntários locais. Estes profissionais recebem treinamento especial para exercer este ofício inteiramente voluntário e anônimo.

 

O alagoano Roberto* diz que buscou participar do CVV após perder um membro de sua família, que veio falecer após passar por momentos difíceis em sua vida, e escolheu ajudar as pessoas de uma maneira. Segundo o voluntário, conseguir ajudar o próximo é o suficiente.

 

Trabalhando 4h30 por semana, os voluntários buscam conversar com pessoas que procuram desabafar sobre sua vida pessoal e seus problemas. Contudo, as regras de conduta dos voluntários do Centro de Valorização a Vida exigem que não haja um envolvimento direto com seus interlocutores, não podendo interferir diretamente em suas ações.

 

O trabalho realizado pelos voluntários é exclusivamente de ouvinte, agindo exclusivamente como um "amigo que escuta, mas não de conselho", como explica Roberto*.

 

"De forma alguma chegarei na pessoa e falarei que a vida dela e ela podem fazer o que quiser. Isso é um direito dela. Infelizmente, não podemos interferir em nada. Nosso trabalho consiste em ajudar as pessoas a não chegar a tomar atitudes precipitadas. Buscamos trabalhar as atitudes da pessoa para que ela não tome atitudes suicidas", relatou.

 

VOLUNTÁRIOS TAMBÉM PRECISAM DESABAFAR

 

O sigilo absoluto e a manutenção de uma saúde mental são as características necessárias para continuar atuando neste serviço. Mesmo recebendo depoimentos com uma grande carga emocional negativa, os voluntários não podem comentar nada a respeito do conteúdo ouvido nas ligações.

 

Buscando ajudar uns aos outros, Roberto* revelou que muitos dos membros ligam uns para os outros para desabafo. Contudo, mesmo entre seus pares, nenhum detalhe sobre as ligações podem ser fornecidos. Os membros devem apenas compartilhar seus sentimentos entre si, em forma de desabafo. 

 

Fazendo parte desta iniciativa há algum tempo, o alagoano diz estar satisfeito em participar do projeto e comenta que adoraria ter entrado antes.

 

"Acho que demorei demais para participar desse trabalho. Acho que ajudar a outra pessoa que está aflita, que está com o problema, é muito bom mesmo. Procuramos fazer o máximo para que o outro se sinta melhor e isso é muito gratificante".

 

Interessados em entrar em contato com estes centros especializados em atendimento às pessoas com problemas ou que desejam desabafar, podem entrar em contato por meio do e-mail maceio@cvv.org.br ou pelos números de telefone acima.